E, mais uma vez, a estatística e a perspetiva histórica vingaram. O futebol pode não ser uma ciência exata, expõe-se frequentemente a estranhos ataques de ilógica, chegou a criar milionários nos jogos de adivinhação de resultados, mas no cômputo das temporadas raramente descarrila dos prognósticos.
À4.ª jornada, após o pior começo de sempre do Benfica, a possibilidade de o Porto não vencer este campeonato já não passava de uma ínfima probabilidade aritmética. Só muita incompetência de dirigentes, treinadores e jogadores do Porto poderia possibilitar uma inversão do que, realmente, estava escrito no plano de retoma que o clube engendrou após a pequena crise gerada pelo excesso de zelo de algumas instâncias disciplinares – que lhe terá custado um ano sabático da Liga dos Campeões.
Agora, nos meses que faltam para concluir o campeonato mais desequilibrado da história do futebol português, assistiremos a um esforço patético de legitimação da reconquista, balanceando já os anos do porvir e um novo ciclo triunfal.
Aarrogância foi o mais nobre dos sentimentos que décadas de vitórias instilaram na família portista, consolidando a noção de que só é possível perder, de vez em quando, por motivos marginais e ilegítimos, como a violência dos guardas pretorianos dos túneis de acesso aos balneários que, segundo os bons espíritos, teria proporcionado a glória efémera de Jesus e seus discípulos. Em contraste com essa embófia congénita de profundo desprezo pelos adversários principais, potenciada pelas repetidas consagrações, todos os outros atributos do futebol portista chegam a passar despercebidos, para desespero dos que gostavam de sentir mais carinho e reconhecimento nacional, sem esquecer a desproporcionalidade comercial e a colagem de uma identidade grotesca que demora em compaginar-se com os novos tempos.
Écom naturalidade que se assiste nestes dias à exaltação de uma pequena, quase irrelevante, manobra de intimidação de alguns vigilantes pelos bons costumes na pessoa de um notório adversário, na circunstância vice-presidente do clube que tem o tal túnel perigoso. No ano Cardinal, apenas mais um número de circo, o dos palhaços ricos, os menos engraçados da arena.
Apesar de alguns pensadores da bola insistirem em não conseguir analisar os acontecimentos à luz das estatísticas, o campeonato português continua em retrocesso competitivo agudo, como o demonstram as enormes diferenças pontuais entre os vários níveis da classificação. Mas, da Liga, não se ouve o mais pequeno comentário, um murmúrio, um lamento, nada.
Na última jornada, foi possível seguir em direto pela televisão cinco jogos que primaram pela falta de qualidade técnica, desinteresse competitivo e baixo nível espetacular, com realce para a cobardia da maioria dos treinadores e para a gritante falta de frescura física das equipas, particularmente as que não estão envolvidas nas provas europeias.
Ofutebol é mau, as bancadas esvaziam, as audiências caem, os dirigentes encenam, as arbitragens tresandam, os treinadores amocham, os jogadores emigram. E, no entanto, o país tranquiliza-se na miragem do cenário ideal: viva o campeão!
(João Q. Manha)
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