O jornalista Rui Santos também não está isento de responsabilidades, mas ainda assim, com algumas asneiras à mistura, ainda é um dos que vai denunciando alguma coisa, fruto da escola de jornalismo que teve, a antiga A Bola, com professores como o seu tio Vitor Santos, como Carlos Pinhão, como Alfredo Farinha, como Aurélio Márcio, para falar apenas dos de maior referência.
A completar 35 anos de jornalismo no próximo dia 12, dedicados sem hiatos e quase em exclusivo ao estudo e à análise do futebol, durante mais de duas décadas em permanente contacto com os agentes da modalidade, olho para trás e chego a uma conclusão: pouco ou nada mudou em Portugal. Os mesmos vícios, o mesmo nepotismo, a mesma opacidade, os mesmos truques.
Mudança de ano convida-nos àquele registo clássico de votos de mudança e de teorizar a fé e a esperança. Todas as prisões têm a sua janela. Concluo, agora, que a experiência nos anima num embalo menos exuberante à saída da procissão. Não se trata sequer de um combate entre o pessimismo e o otimismo. Trata-se de conhecer minimamente o meio. O meio das pessoas e as pessoas do meio, alapadas à rocha que lhes dá o alimento.
Mudaram os estádios em 2004. Mas não mudaram as mentalidades, apesar dos assomos e das promessas. O futebol parecia estar um passo à frente daquilo que se passava noutros sectores de atividade, no que respeita à camuflagem das imparidades. O futebol tresandava a corrupção por todos os lados. A favorecimentos vários. Ainda ninguém deu nota, mas se a implosão do sistema financeiro conheceu alguma virtude ela teve o condão de aliviar o estigma sobre o “mundo do futebol”. A sensação que se colhia é que, sob a desconfiança de todos, tudo era permitido e consentido no “universo da bola”. Esquemas paralelos, muitos a encher os bolsos através das transferências de jogadores, os mecanismos dos paraísos fiscais a funcionarem sem a mais pequena reserva, contas não auditadas, movimentos financeiros pouco ou nada claros, enfim, a mais completa desregulação de uma atividade que o poder político nunca soube, ou nunca quis, meter a mão. A decantada promiscuidade entre o poder político-partidário e a “máquina” que faz, literalmente, “girar a bola”, é isso mesmo. Um pacto de não agressão. Afinal, a má fama do futebol tinha (dama de) companhia.
Quanto tempo foi necessário para implementar a lógica das academias, no futebol português? Cerca de 30 anos (de atraso). Fora do tempo. Quando as mutações e as variações operadas na “indústria”, algumas das quais justificadas por uma nova ordem política, económica e geográfica, obrigavam à procura de novas soluções. E ainda não há uma “Casa das Seleções”. Como não há “Casa das Transferências”, não obstante as promessas e os convénios. Como custa a implementar uma prática de bilhetes mais baratos. Como continua a existir resistência perante os pedidos de mais “jogo útil” e menos “faltas cometidas” em cada partida, em defesa da qualidade do futebol. Como é preciso repetir um milhão de vezes a necessidade de os clubes ou as SAD cumprirem os seus orçamentos, investindo no rigor, e haver a noção de um desgoverno insustentável, para se começar a falar de fair play financeiro.
Em Portugal, ninguém quis fazer, no futebol pós-25 de Abril, o trabalho de casa. Tínhamos todas as condições para isso. Um país pequeno, mas com muitos talentos. Clubismo exacerbado. Sempre o sistema da tentativa de controlo da Arbitragem e da Disciplina. Poucos, muito poucos, podem clamar inocência. A maioria é cúmplice de um sistema caduco, que arruinou o futebol.
Basta olhar para o escândalo de inação à volta da FPF e do seu presidente, Madaíl. Só num país de múltiplos compromissos. Foi preciso a FIFA ameaçar para se ver a espuma.
O FMI está aí em força. 2011 e o futuro poderiam ser muito melhores, se tivesse havido “concentração” para impedir a goleada do autismo.
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