sábado, 10 de setembro de 2011

O Benfica versão 2011/12

O Benfica tem mais e melhores armas do que tinha há um ano, mas tão ou mais importante do que a valorização do plantel pode vir a ser a versatilidade táctica que a equipa ganhou com a contratação do belga Axel Witsel. Somados, os dois factores tornam a actual equipa da Luz claramente mais preparada para obter sucesso até enquanto produto virado para a exportação.
Na época passada, o Benfica tentou repetir a fórmula de sucesso do ano anterior, assente numa equipa sem freio e que tentava impor sempre um ritmo torturador. Mas tentar jogar à velocidade máxima, com a precisão máxima e um vigor impressionante, deixou de funcionar da mesma forma a partir do momento em que Di Maria e Ramirez já não moravam na Luz, até porque os adversários também foram apurando a eficácia do antídoto. Por vezes não era um problema de jogo, antes de voltagem - de excesso de voltagem, entenda-se.

Hoje, o Benfica continua a ser uma equipa com imensa riqueza ofensiva, mas parece mais temperada e pragmática. E isso é ainda mais evidente quando Jorge Jesus troca o habitual 4x1x3x2 pelo desenho com duplo pivot à frente da defesa (Javi Garcia e Witsel) e apenas um homem (Cardozo ou Saviola) na área adversária. O técnico benfiquista já contestou esta leitura, recusando a ideia de que o Benfica tem agora um desenho táctico alternativo (4x2x3x1) que parece reservado para os duelos de maior grau de dificuldade, designadamente muitos dos que irão ser travados na Liga dos Campeões. Na opinião de Jesus, tudo se resumiu a uma troca de figuras: Witsel faz agora de Aimar e este passou a fazer de Saviola.

Não faz muito sentido contrariar o "arquitecto" responsável pela obra, mas faz ainda menos escamotear o que os nossos próprios olhos vêem. E salta à vista que Witsel ocupa (principalmente na hora de defender) terrenos mais recuados do que aqueles que eram antes percorridos pelo argentino, surgindo muitas das vezes praticamente na mesma linha de Javi Garcia. Da mesma forma, Aimar tem como ponto de partida uma posição menos avançada do que acontecia com Saviola.

Uma e outra coisa fazem com que o Benfica se torne mais homogéneo no miolo, sem que isso implique grandes perdas lá na frente. E isso torna-se possível por dois motivos: primeiro porque Aimar atravessa, até do ponto de vista físico, talvez o momento mais fulgurante desde que chegou a Portugal; depois, porque Witsel é um verdadeiro box to box. Custou 7,5 milhões de euros, mas a sua contratação foi um verdadeiro achado. A influência do belga salta à vista não só no seu jogo, mas também no febril compromisso com a equipa. Porque a sua clarividência afecta positivamente a todos. Mesclou-se perfeitamente com Javi Garcia e com Aimar, sabe jogar e conhece o ofício como poucos. É ainda um jogador universal, porque é capaz de ocupar praticamente todas as posições no meio-campo.

Jorge Jesus já havia tentado, nos dois anos anteriores, que o Benfica jogasse, por vezes, em 4x2x3x1. Mas as coisas não correram bem frente ao Everton e ao Liverpool, na Liga Europa, e muito menos no estádio do Dragão, onde foi goleado (5-0) pelo FC Porto depois de ter colocado Carlos Martins na mesma linha de Javi Garcia. Mas, evidentemente, este esquema alternativo dá outras garantias quando se pode contar com Witsel, um jovem (22 anos) que ajuda a dominar o jogo aéreo (mede 1,86m de altura) e que até tem algum golo nas botas.

Para que a experiência esteja a resultar bem há também que relevar o papel de Aimar. Principalmente quando estão bem fisicamente, há jogadores, como Aimar, cuja simples presença tem uma transcendência capital. Porque é um jogador diferente, construído com a pasta dos génios. Ele não perde nada em jogar mais próximo da área adversária, ao contrário do disparate que foi repetido até à exaustão por muita gente. De resto, foi jogando assim, mais próximo da baliza adversária, que o argentino realizou épocas espectaculares em Valência e noutras paragens.

De resto, as hierarquias da equipa estão cada vez mais definidas e tudo parece ter voltado a funcionar quase de memória. Para isso foi importante o acréscimo de qualidade. Hoje, o Benfica tem praticamente dois jogadores de nível idêntico para cada posição. De tal forma que, lá mais para a frente, quando o calendário apertar, é bem possível que se deixe de falar em "onze" titular, pelo menos do meio-campo para a frente. Com tantas alternativas de valor idêntico, é provável que Jesus faça a rotação que não soube ou foi capaz de fazer na época transacta, acabando a temporada com uma equipa feita em farrapos.

Artur deu estabilidade à baliza, mas Eduardo também é uma boa alternativa. O investimento em Roberto acabou por ser recuperado e a saída do espanhol teve ainda o condão de devolver a tranquilidade ao quarteto defensivo, que volta a ser capaz de se posicionar em terrenos avançados. Rúben Amorim nunca igualará Máxi Pereira no lado direito da defesa, mas é um jogador muito inteligente e capaz de dar conta do recado. Garay, ao lado de Luisão, garantiu a fiabilidade defensiva que não existia desde a saída de David Luiz. Emerson defende bem e pode melhorar no ataque. Matic é uma alternativa credível a Javi Garcia. Gaitán e Nolito estão a jogar (e bem) nas alas, mas Enzo Pérez e Bruno César vão certamente actuar também muitas vezes, porque têm uma qualidade acima de qualquer suspeita.

Não é um plantel perfeito, até porque falta um central capaz de preencher sem problemas a eventual ausência de um dos titulares. Falta ainda um avançado de classe extra e com a mobilidade que Cardozo nunca será capaz de garantir. O paraguaio tem algumas qualidades excepcionais, mas condiciona em muito o jogo da equipa. O Benfica não conseguiu vendê-lo e terá de continuar a procurar rentabilizar o que ele tem de melhor. Vai ser interessante perceber o que Jorge Jesus irá conseguir retirar dos jovens Nélson Oliveira e Rodrigo. O técnico parece apostar principalmente no espanhol, que é claramente mais jogador de área. Até por isso, talvez se imponha o empréstimo do vice-campeão do mundo português.

Mais difícil de perceber é o que se está a passar com Capdevila. A sua não-inscrição na Champions é mais um sinal de que deve ter sido contratado contra a opinião de Jorge Jesus. O problema é que o jogador não tem culpa disso e acabou por ficar numa situação embaraçosa. Um campeão europeu e mundial não merecia tamanha maldade.

bprata@publico.pt

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